terça-feira, 24 de agosto de 2010

budismo microcósmico

andava cansado e devagar naqueles...



atendeu a ligação da companhia telefônica "referente ao atraso que constava cadastrado no sistema desde 12 de agosto". a operadora queria saber "se a conta podia ser paga amanhã". respondeu que "a conta podia ser paga até sexta-feira". "ok, senhor!", ela preencheu a pausa. "é importante que a conta seja paga até sexta-feira, até mesmo pra evitar os juros na fatura seguinte, ou até mesmo o corte da própria linha telefônica - ok, senhor?". "ok", repetiu. por um instante pensou em mandar o experimento telegravação versão 4.3 tomar no olho do seu cu eletrônico. mas andava meio fatigado naqueles.... mas estava ok.


foram dias de tosse seca (e foram também os dias mais quentes daquele inverno, espécie de prenúncio da primavera), dias de pastilha antiácido framboesa, ultimate fight no tatame do espelho. o cansaço no entanto vinha dantes e fazia tanto tempo e, afinal, era tão inútil que logo tornou-se esquecimento.

as faltas de coincidência no cotidiano, as invísiveis diferenças no parecido, a sinfonia do ego, a dor de qualquer coisa desconhecida, as pílulas que antecipavam a doença, as fantásticas alegorias da mentira, a desencantada palidez da verdade, os correios eletrônicos lidos e não-respondidos e apagados, os esbarrões propositais nas calçadas cheias, os ataques telepáticos da publicidade, tragédias jornalísticas de torcer o jornal e sangrar, as premeditadas urgências sentimentais (todas inadiáveis), os jejuns involuntários, o amor a um clique da tela na palma da mão, a vontade de impressionar da maneira mais adequada, as roupas passadas de trás pra frente vestidas ao contrário, o mercado da salvação na tv, a falta de etiqueta das etiquetas, a poesia pálida e disritmada da vida, as tomadas penetrando a eletrecidade, o intercâmbio dos pesadelos para a vígilia, a esculhambação dos romances contemporâneos etc.


reconheceram-no logo pelo que ele não era - mas e daí?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

recalque canônico

"madame bovary, c'est
muthafuckin'
moi!"

quarta-feira, 9 de junho de 2010

(esta noite)

(esta noite)
frio brabo
soprando
adentrando a janela

invadindo

o quarto
ao quadrado
e o escambau

(esta noite)
a canção no rádio
toca

denunciando um amor
renunciado
cheio de dor
cheio de dar



e eu sendo a
-penas mais um
(esta noite)

quero ser
só+um

mas não

(esta noite)

terça-feira, 4 de maio de 2010

incompletude

toda vez que ele saía, sua ausência era preenchida pela impossibilidade do retorno. era como se cada atitude tomada por ele projetasse um feixe de luz difusa contra a realidade perplexa dos olhos torvelinos dela. olhos - satélites artificiais do pensamento -, pra quê te quero?
o que ela queria mesmo era se adornar de laços vermelhos - se perder no sumidouro do minúsculo adesivo dourado, ter a sentatez lacrada na abertura de um envelope subscrito "com amor", para finalmente morrer afogada no frescor de mil botões de rosas pálidas.
antes ele atendia aos chamados de querido, embora tivesse um nome próprio. hoje ele é alguma coisa imanentemente designável que, apesar de fazer algum sentido, carece de significado.
ele não passou de um equívoco que ela havia gerado no âmago de sua incompletude crônica.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

o evangelho segundo sebastião m.

capítulo I:

1 - conhecereis a verdade
e a verdade vos aprisionará.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

foi-se

ex-um-ar
um amor
que um dia foi ar
que um dia foi fôlego
(sopro último):
e foi-se.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

chuva


é que chove sempre por aqui. e eu vivo aguardando, esperando vivo pela colheita em cultivo. a chuva que é feita no presente é a mesma sempre? é a mesma em assunção, curitiba, londres? tanto faz. e pensar que a sensação de banhar-se, adentrando nela, na chuva - já estiou há muito. mas chove sempre por aqui. relampejou bastante no finzinho daquela tarde, lembra? chuva que é chuva começa ralinha, ninguém dá nada por ela - depois vira tempestade e trovão, pois nunca se espera muita da chuva. é visita materializada na porta da frente quando se está prestes a sair: surpresa. e de repente chuveu sem guarda-chuva. soube de alguém que chuvia toda vez que lhe gritavam. chuvia cântaros, e logo em seguida seguia correndo em enxurrada. foi-se. chuva é realmente um perigo. e eu vivo aguardando, esperando vivo, enquanto a foice recolhe a colheita que em cultivo crescia.

sexta-feira, 12 de março de 2010

tristeza alegórica


gerânio ornamental

de delicadas pétalas roxas

enrubesço contemplativo

ao testemunhar

tuas lágrimas coxas


é que jamais me dei conta

de tua natureza soturna

desta tristeza repentina

enovelada em tuas

raízes secas e defuntas


tu que te espreguiçavas todas as manhãs ao sol

antes mesmo de raiar o meu amargo amanhecer

irradiavas tamanha singeleza, gerânio!

que eu entorpecido voltava a adormecer.

segunda-feira, 8 de março de 2010

por favor, exploda: exploda de raiva

depois me ensina a tecer sonhos

falar a língua das begônias

entender que caminhar

é o único jeito de
in-(s)isto em existir de manhã por pura maldade
- eu sei que não ex-isto.

terça-feira, 2 de março de 2010

trans-tornado

quando havia cigarros, eu pensei em escrever sobre um certo filho da puta que havia roubado o golden label da minha dispensa alcoólica - mas passou. é que eu esqueci do maço de cigarro na cozinha. só um minuto, sim? agora sim: pelo menos deixaram uma garrafa de espumante de segunda, e apesar do paladar esquisito, eu a bebi com dignidade de veuve clicquot. qualquer dia eu acabo ateando fogo em mim mesmo. cigarros acessos, esquecidos & espalhados queimam em repouso dentro de cinzeiros milenares. o espumante explode garganta abaixo em milhares de bolhas cor de diamante, refrescando a ilusão de ficar puto à toa - talvez o ladrão tivesse um bom motivo. a sensação é um terço da dor de se ter a mãe estuprada, sabe? é por aí: vontade de dar uma mijada sem canto escuro apropriado, mastigar alho no café da manhã... meu corpo agora expira alho e eu todo sou reconhecido como aroma peculiar. o que é bastante perigoso hoje em dia, pois aromas peculiares quase sempre causam câncer, impotência sexual ou derrame. eu louvo a queima do cigarro no cinzeiro com gritos de aleluia, como fazem os negros do coral gospel. grito de peleja contra o senhor - ai de mim, pai abrãao, pois hei de lutar contra os anjos a favor de minha benção. ladrão filho da puta, fodeu com a minha cabeça!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

sempre houveram dois mundos: o lado daqui e o lado de lá.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

os ossos que rangem feito dentes enraivecidos ainda não quebraram de vez. é preciso quebrar o maxilar. é preciso não quebrar a cuca. afogar-se na imensidão vaga do vazio, chegar até o fundo e colher algas marinhas. tudo não passa de um grande jogo - é preciso correr o risco sempre. a dúvida que não é boa, que não é má, é na verdade respiração da alma. não tenha pressa nenhuma. porém, antes de tudo, deve-se fechar os olhos e não ver nada: é preciso ficar cego pra entender a sensação de ter os pés refrescados à beira da praia. meu vício é minha vaidade. eu inalo meu orgulho para depois assoprá-lo em espiral - e ele se defaz desaparendo no ar.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

o silêncio do jardim crepuscular

começou no jardim com a criação de toda uma humanidade. o dia era o sétimo e o jardim suspenso estava verde e gracioso. o sol brilhava intenso feito uma laranja flamejante enquanto pássaros de aço estrondosos rasgavam o céu.

a inflorescência do jasmineiro trêmulo gemeu baixinho.

nem sequer uma nuvem prenunciava chuva, bica nenhuma pingava uma gota. na boca, a língua estalava seca e áspera e o calor mantinha-se estático: "bom-dia sol!" de olheiras insones. sol, astro maior, demasiado real, corola de girassol suspensa em chamas. o sol gerava partículas sanilizadas sobre as pálpebras cegando a visão, sublinhando olheiras. o sol requeria do homem grossas-parassois-sobrancelhas. o sol provocava devaneios de braços entrelaçados à quietude do jardim suspenso.

o bambuzal do canteiro acordara em alvoroço, assustado, e tamanho descontentamento amarrou-lhe logo a cara. parecia de qualquer modo avesso a surpresas - exceto as boas, é claro. clamava "pai abraão, pai abraão" enquando rogava por água. as helicônias, musas enraizadas em solo ácido, eram contraltos delicadas que carregavam gravíssimas feridas de amor. o canto das helicônias era baixinho, espécie de sussurro jururu.

as onze horas eram continentalmente pontuais e foram as que mais floriram em primaveras passadas. durante as férias do jardim de infância, após o café da manhã, eu as contemplava desabrochar com olhos imaculados de inocência. minha relação com as onze horas me remete aos dias em que até a pequenez das novidades eram mágicas.

as orquídeas sempre me aparentaram uma beleza de plástico, falsa alegria incontestável. prefiro não falar das orquídeas: me aborrecem por serem facilmente impressionáveis. as risonhas samambaiais são tias solteironas dividindo em harmonia o mesmo apartamento. apesar do ar implacável as bromélias são monjas da sombra que passam dias inteiros meditando, buscando a anima da essência.

os lírios, por sua vez, comeram o pão que o diabo amassou: qualquer brisa mal intencionada acaba em despetalação aguda. a passagem pelo mercado de flores enfraqueceu-lhes a autoestima, por isso é preciso ter um pouco mais de paciência com os traumas dos pobrezinhos. as roseiras choranas soluçaram a tarde inteira: diziam não suportar a dor do espinho na carne - então eu as reguei com abundância pra não perder a esperança. a dor das roseiras sangra.

então veio o pôr-do-sol salpicando traços róseos na escuridão que engolia tudo.

e eu anoiteci com medo de mim mesmo.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

buraquinhos

era uma vez a cuequinha rasgada. a cuequinha nunca foi lá grande coisa, até pode-se dizer que durou pouco mais que o esperado, mas a vida é repleta de surpresas minúsculas e a cuequinha, cujo futuro anterior ao indistinto desfecho seria evidentemente tornar-se pano para polir movéis, fundiu-se em um corpo confuso em um. as outras, brancas de algodão, encardiam de inveja da cuequinha rasgada. um corpo, por mais confuso que fosse, sempre seria mais confortável que uma gaveta escura cheia de baratas mortas fedendo a naftalina. no entanto, um corpo confuso amava tanto a cuequinha que chegava a desgastá-la, enchendo-a de buraquinhos por todas as partes. o tempo ia desfiando cada vez mais a cuequinha, até que um dia a pobrezinha não aguentou e rompeu-se em trapos. no dia seguinte, lia-se nas manchetes de jornais em letras garrafais:"corpo seminu é encontrado com região pélvica perfurada em banheira de sangue".

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

sorte

sorte sua, não? sorte sua a lua brilhar na ponta do seu dedo, na altura do prédio vizinho. um pedaço do céu estrelado reservado a sua contemplação. sorte sua a grana pra bancar uma boa foda, o dom pérignon, uvas sem semente - sorte sua não ter um amor, pois assim sendo, poupam-se as boas desculpas, sua arquitetura de belas mentiras. sorte sua o mundo na palma da mão, só que o mundo não funciona sem bateria. sorte sua a vida armazenada nos infinitos gigabytes do tempo. sorte suada, não? nada vem fácil. sorte sua a testa e dá dor de cabeça. sorte sua ter cortado o cordão umbilical, só pra sentir a agradável sensação da queda sem amparo, sem braços. sorte sua as viagens à europa três vezes ao ano. o avião não explodiu nenhuma vez, exatamente como você não esperava. sorte sua o carro com equipamento antipoluente no trânsito de segunda-feira. sua sorte a consciência tranquila no plano de saúde, no seguro residencial, no sistema de vigilância, no seguro de vida e nas pílulas tranquilizantes. sorte sua a meditação esfriar cabeça, ao invés da bala.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

acabou,


eu que não guardo emoção nenhuma em papel, meus sonhos suspensos de pipa devaneiam em misteriosas redes elétricas, eu que não tenho compromisso algum com a verdade sugerida, eu que tenho frases geniais, dignas de telenovelas, como por exemplo: isaura e eu nos parecemos tanto que não podemos ficar juntos, por isso o nosso amor não deu certo - eu que falo afetado e cheio de pausas, odeio discurso sentimentalista barato em alto e bom tom, eu disperso de humanidade & primeira pessoa do plural, eu que não sou mulher contra a ida, eu que dancei john travolta nos tempos da brilhantina, eu que nem mulher sou, eu que em janeiro morro de medo de mosquito e enchente, ando noite a fora, nua pela rua, eu que, acima de tudo, zelo pela lei do silêncio em cada palavra, eu que lembro & esqueço e não sei se lembrei e esqueci ao certo, eu que sequer abro a boca pra dizer coisa que preste, eu que fujo da vida me refugiando na sombra da palavra, eu que só leio livro cheio de vazio, eu que imagino o quão incrível seria o rumo que as coisas levariam se ao menos eu lembrasse daquilo que fora incrível há alguns segundos, minutos, dias contados de frente pra trás, eu que alivio a dor à base de analgésicos & antiácidos, eu curtocircuito, paranoico hipocondríaco, eu, curto ser assim, pequeno demais, feito formiguinha carregando folha nas costas, eu que nem sei se formiga tem costas, eu pura culpa judaico-cristã, eu queima de fogos em dia de chuva - (eu? google.) -, eu que só sei que nada sei que nada sei que nada sei, eu que sempre quis aprender a falar japonês e amo asas de beija-flor porque nunca as vi - daí eu amá-las tanto assim -, eu que cada vez mais sou roseira de vasinho terracota, eu que odeio eufemismo e superlativo, eu que tenho vaguíssimas impressões acerca de tudo, eu que sempre termino tudo lá pelo começo, eu que acredito no início feito fim mais breve,
eu acabei, acabou, acabamos

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

pensamento do dia:

morro alegando ser a maior injustiça da vida o fato dela não ter vindo com manual. deveria existir algum telefone, e-mail ou coisa parecida, do qual fosse possível contatar a assistência técnica e solicitar manutenção do equipamento. tenho superado o inferno de estar eternamente em hold pela grande operadora do universo. tendo que escutar musiquinhas irritantes enquanto observo as unhas roídas crescerem outra vez, aguardando o número do protocolo de reclamação, morendo de esperanças de ser atendido, ansioso pelo reparo.