quinta-feira, 25 de setembro de 2008

muchachas de copacabana


quando javier disse a odete que jamais haveria outra mujer que lhe fizera tão feliz quanto a ex-pobre garota de programa, os olhos azuis-turquesa do espanhol reluziam confissões de um amor sincero. a primeira vez que o espanhol viera ao rio foi paixão à primeira vista: as belas praias, a cidade imperial de petrópolis, a vista chinesa, a melodia sussurrada do engraçadíssimo sotaque carioca - e as belas meninas que exibiam seus corpos torneados tal como o majestoso pão de açúcar. não que fosse do tipo turista sexual - não era essa a questão. era homem de bem e de negócios, de caráter sóbrio. além do mais, que mal haveria em se deixar inebriar pelos lábios de cana-de-açúcar destilado das renomadas muchachas de copacabana? conhecera outros gringos nos prostíbulos da zona sul e vez e outra ia de encontro aos novos amigos para tomar um drinque, jogar conversa fora e, é claro, apreciar as meninas. na noite em que trocara olhar com odete não contava com a peça que o destino lhe pregaria. tudo estava em seu perfeito lugar, como deveria estar. “– tem fogo?”, perguntou odete. “– si, si, claro!”, respondera ele gentilmente ao clichê em forma de convite de aproximação. odete não intencionava flertar com o espanhol – uma das meninas de fato lhe tomara o isqueiro emprestado e minutos depois desaparecera com um cavaleiro inglês. era sua quarta semana na batalha e só não deixara de exercer a profissão mais antiga do mundo por gratidão à velha sofia – cafetina de luxo e estrela decadente dos tempos de ouro da rádio nacional. sofia lhe estendera a mão solícita quando a mulata da baixada fluminense cansou-se da revenda de cosméticos: “– quem consegue sobreviver com míseros quatrocentos reais por mês?”, reclamava odete antes de dedicar-se a tal empreitada. o javier bem que se divertiu com o ritmo caliente de odete, como haveria de ser. odete tinha um quê de bossa-nova, uma tristeza tépida quase elegante. seus olhos negros e irresolutos descompassavam o espanhol dos pés à cabeça. javier não percebera - no primeiro encontro já estava tão enovelado quanto as tranças nagô da jovem mulata. as visitas ao brasil tornaram-se cada vez mais frequentes, até que um dia não resistiu e entregou os pontos: “– compramos um apartamento e dividiremos o mesmo teto de hoje em diante”, disse com ar de príncipe encantado. tudo parecia as mil maravilhas para o casal mais feliz do ano. a odete, que naquela altura havia se matriculado no curso de psicologia, acabara de concluir seu primeiro período na faculdade. para comemorar, javier levou-a para paris. ela contava toda prosa, com o sorriso do gato de alice, tudo que havia aprendido nas aulas de introdução a psicanálise, enquanto os dois saboreavam uma garrafa de beaujolais nouveau, vinho favorito de javier, no restaurante chez rené no quartier latin. depois o casal de enamorados amaram-se loucamente sob as luzes difusas da pont neuf - como haveria de ser. de volta ao rio, os dois seguiram contentes até um certo mês de agosto, um ano após a viagem. javier se dera conta de como seus ímpetos masculinos o haviam traído. certa tarde em que odete se encontrava na faculdade, o espanhol acometeu-se de uma terrível saudade dos tempos em que não acordava todos os dias com a mesma mulher. não que duvidasse de seu amor por odete, só que por alguma razão, ainda que inexplicável, a felicidade lhe amargara o paladar. tudo havia se tornado tediosamente previsível. sua nova vida no rio não lhe reservara mais surpresas. do alto da sua cobertura em copacabana, javier se vira enfadadíssimo. foi quando resolveu discutir o caso com odete de forma sincera: disse que preferia ser honesto com ambos. não queria feri-la mas precisava de um tempo para refletir sobre a vida a dois. e como é sabido por todos: dar um tempo é tarefa individual. odete não questionara a decisão do espanhol, porém foi obrigada a chorar quando juntou seus pertences para nunca mais voltar. era uma vez cinderela. ao decorrer de três meses, o suficiente para cicatrizar as feridas de amor, javier preferiu não abrir mão da cobertura – afinal, o rio de janeiro não pagaria o preço por um caso de amor malogrado. ao findar do sétimo mês, lá estava ele novamente a passar noites em prostíbulos, jogando conversa fora com outros gringos, bebiricando drinques, cercado pelas mais belas damas de aluguel de copacabana. tudo estava em seu devido lugar, como deveria ser. houve uma noite em que seus instintos exaltados falaram mais alto e ele resolveu levar uma menina para cobertura. saciou seu apetite carnal com a mulata mais cobiçada da boite help. ao término do serviço sexual - que não incluía dormir em forma de conchinha - a menina, sem fazer cerimônia, pediu o lhe era de direito, vestiu-se e foi embora. estirado sobre cama de casal, ainda nu, javier acendera um cigarro e sorriu. talvez, como haveria de ser, o amor fosse uma puta sem beijos de despedida.

domingo, 21 de setembro de 2008

apropriação poética ou chupação inescrupulosa?

Imponente, fica olhando pra mim com esse ar de quem me conhece por inteiro, e conhece. Sabe das minhas crises, do quanto eu esperneio, do quanto eu quero um pouco mais de tudo, do meu choramingar amor como menina mimada. Sabe que é a ele a quem eu vou recorrer, sabe que vou sentar e desfiar rosários, que é pra ele que conto os segredos mais pesados, o que ninguém mais sabe, o que ás vezes nem eu sei. Ele me disseca, me reescreve por partes, me documenta feridas, mexe onde eu não quero que doa, me aponta a vida tão crua, tão sobriamente real, tão cheia de casos e pessoas esquecidas atrás de lugares em mim que não mostro pra ninguém. Ele conhece todas que aqui habitam. A folha em branco, objeto de desejo de noites insônes, de pseudo epifanias criativas, de cartas de amor rasgadas, de sonhos que duram uma semana, é quase uma anatomia do meu corpo. E hoje ela não vai saber de nada. Essa dor é só minha. De mais ninguém.

(Paula Gicovate)
***

ninguém mais
só ele me reescreve
ele desfia a vida esquecida
de pseudo cartas de amor dissecadas
o quanto quero feridas criativas das minhas crises rasgadas
de sonhos insones e apontados
ele conhece
sobriamente crua
essa mimada de rosários brancos
de todas as partes um pouco
onde eu quero que doa
anatomia de dor
(esperneio pesado)
me documenta aqui
os segredos de uma menina imponente