enquanto ele se banha
eu o vejo
através
da porta
entreaberta
do banheiro
os olhos
projetam
o clique da memória
fotografia precisa
dos cabelos molhados
do corpo sem pelo
do rosto escondido
atrás de um par de palmas
brancas
(dedos roxos
d'água)
da espuma que desliza
pelas
bordas
do dorso
até a rola
que balança
solta
leve
feito bailarina louca
ele não vale uma memória
não passa de uma porta entreaberta
domingo, 1 de novembro de 2009
domingo, 13 de setembro de 2009
cordialidade
o sorriso de dentes embranquecidos
quase novos
nunca esteve tão amarelecido
quase anêmico de anima
mecanismo automatizado de cordialidade
crachá de babaca.
quase novos
nunca esteve tão amarelecido
quase anêmico de anima
mecanismo automatizado de cordialidade
crachá de babaca.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
último gole
"it took me a long time to find
the most interesting person to
drink with: myself..."
(Charles Bukowski)
o copo
que não transborda,
já se foi
a última saideira.
em breve as portas baixarão,
o balcão seco
federá a cinza & cerveja.
cadeiras de pernas p'ro alto
ocuparão todas as mesas
vazias.
o silêncio bêbado
amolará os quatro cantos do boteco
cheio
de nada.
reverberando
o barulho da bica
solitária que
pinga.
pinga.
pinga.
tristíssima.
banheiro sem papel
vomitando tédio
bombardeado
de naftalina.
ninguém se importa em dar descarga.
enquanto eu desço
ralo adentro
sem ter dado
meu último gole.
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Quando tudo que resta no fim da noite é fúria & silêncio, não há nada melhor do que acender um cigarro e se perder na fumaça que some. É foda entender como vinte minutos de conversa bastam pra estragar um dia inteiro. Mas não faz mal. Nunca acreditei em felicidade como estado imutável ou condição permanente de regozijo - pois felicidade e dor partilham da mesma essência. Assim como esterco é merda, a gestação da dor é sempre sucedida pelo nascimento do alívio. Enquanto a vida é uma puta cheia de filhos.
sexta-feira, 3 de julho de 2009
oh, mundo! vasto mundo...
se eu me chamasse Raimundo
seria apenas uma rima?
ou um motoboy
nordestino
da Rocinha?
quarta-feira, 27 de maio de 2009
pernas de joão do pulo
a ladeira do morro da pedreira se encontrava mais lamacenta que de costume, objetos deslizavam como confetes multicolores adornando a enxurrada de barro laranja carregada de papéis, garrafas plásticas e sacos de supermercados, que terminavam por desaguar no asfalto. aquele outono de data incerta fora precedido por umas águas de março que não fechariam o verão e as estações sofreram uma estranha simbiose resultando em dias secos de noites chuvosas. Na infância nunca tivera problemas para subir o morro correndo, já que acreditava que suas pernas longas, vez e outra, manifestavam feitos mágicos, como da vez em que foi perseguido pelo dobbermann do dono do morro e saltara com pernas de joão do pulo o muro da pequena igreja pentecostal, na rua monte das oliveiras, a fim de se livrar no mínimo das mordazes mordidas caninas. não se importava com machucados e arranhões, pois embora não compreendesse o processo de cicatrização acreditara nas palavras da mãe que dizia: – “meu filho, o tempo a tudo cura”. e as memórias daqueles dias eram cristalizadas involuntariamente, tatuadas de preto na pele em carne viva, se tornando imunes às brumas elétricas do tempo. às vezes as advertências proferidas pelos lábios da mãe soavam pouco inteligíveis, eram ouvidas sem serem escutadas, e o menino bêbado de tanta água, deslizava as extremidades do guarda-chuva empenado, que rodopiava entre a palma das mãos em forma de prece, apressando o passo desengonçado que afundava, melecando a calça da escola, na ânsia de chegar em casa somente para apreciar a sinfonia que caía sobre o telhado.
segunda-feira, 18 de maio de 2009
poemóides
a palavra muda:
que titubeia o coração
urro inexprimível
de símbolos reticentes
perecíveis
impressas e inflamáveis
contagiosamente empoeiradas
cátedra dos cupins
sacro transgressoras
do Eu Sou
retórica de satã
projeção cega
liquefeita nos olhos
em cataratas
instante opaco
capturado e cristalizado
a dez passos da posteridade
a um passo do esquecimento
tentação indecorosa
broxantemente decadente
piranha? piranha!
dá pra quem quer tê-la
mal entoadas
melodramaticamente nasais
concluídas, inacabadas e oclusivas
átonas atônitas
grafadas em letras garrafais
gafe ágrafa
a palavra que emudece
que titubeia o coração
urro inexprimível
de símbolos reticentes
perecíveis
impressas e inflamáveis
contagiosamente empoeiradas
cátedra dos cupins
sacro transgressoras
do Eu Sou
retórica de satã
projeção cega
liquefeita nos olhos
em cataratas
instante opaco
capturado e cristalizado
a dez passos da posteridade
a um passo do esquecimento
tentação indecorosa
broxantemente decadente
piranha? piranha!
dá pra quem quer tê-la
mal entoadas
melodramaticamente nasais
concluídas, inacabadas e oclusivas
átonas atônitas
grafadas em letras garrafais
gafe ágrafa
a palavra que emudece
muda
***
sorry, narciso!
pois ai de ti
quando o tempo der contigo
a esplendidez do teu passado de glórias
não passará de esvanecidas memórias
dias cálidos, loucamente desenfreados
emurchecerão o róseo de teus lábios despetalados
pois o tempo – vil algoz – levará de ti, consigo,
da melodia da voz até os dentes do sorriso
teus olhos castanhos tornar-se-ão vermelhos
esvanecendo teu reflexo deslustrado do espelho
então o rejúbilo de teus dias findará
e teu corpo, membro por membro, adoecerá
sentirás no cerne
a horripilante putrefação da juventude
enquanto os vermes
aguardarão do teu banquete com inquietude!
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
desapropriação
os olhos esbugalharam atônitos ao perceberem as maledicências que uma boca de caráter duvidoso cochichava aos ouvidos atentos. os cabelos denotavam perplexidade, ouriçando involuntariamente uma nuca despudorada; enquanto mãos espalmadas, irrequietas, titubeavam com as pontas dos dedos um par de joelhos indiferentes. o pescoço taxativo movia-se de um lado pro outro, explicitando total descontentamento. narinas curiosas logo se meteram onde não deviam, afirmando que algo não cheirava bem. os pés sequer moveram um passo de tanta indignação. dentes rancorosos rangiam amarelecidos de raiva. bochechas rosas, repletas de botões de cravos, enrubesciam tímidas. axilas tempestuosas suavam litros sobre uma tez anêmica com cara de defunta. mamilos enrijecidos deram uma de joão-sem-braço. o coração cardíaco tinha ataques claustrofóbicos – por isso vivia a base de medicamentos – dentro de um dorso apertado e escuro. a cintura não tinha nada a declarar além da própria inocência. é sabido que até as virilhas foram coniventes com o esquema. pernas trêmulas entraram em estado de choque ao terem conhecimento da tomada da bunda. a princípio o pau ficou puto, mas depois teve de ceder.
tarde demais: o buraco do cu havia sabotado o corpo inteiro.
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